Pé de café
Hoje, ao pensar na temática deste texto, lembrei-me do cheiro de terra e do ciclo do café na lavoura em que fui criado. Então decidi trazer um pouco das etapas que acontecem no cafezal para que você, caro leitor(a), saiba como é custosa a vida do produtor rural e o trabalho que é para produzir o café que você merece.
Para começar, vamos falar das águas e seguirei daqui inspirado pela música de Tom Jobim: “São as águas de março fechando o verão… é a promessa de vida no teu coração…”, que exemplifica o enchimento dos grãos.
“As águas que fecham o verão” são fundamentais e responsáveis pelo enchimento (também conhecido por granação) dos grãos na lavoura. Na prática, é durante o fim de março, que parte do ciclo do café se materializa com os grãozinhos que começam a ficar “parrudos” nos pés.
Para exemplificar melhor o processo que ocorre com cada pé de café, vamos falar de forma ampla sobre as diversas etapas que se repetem anualmente na lavoura. Elas são fundamentais para a produção do café e é importante que você saiba um pouco sobre os caminhos dessa fruta até chegar a sua xícara.
Os processos de pés de café na lavoura
No processo que conduz o período de café tudo é bastante minucioso e se inicia na germinação das flores na planta, passa pela colheita dos frutos maduros e a perfeição dos processos de pós-colheita. Esse ciclo na lavoura pode ser dividido em três fases principais: a fase vegetativa, a fase de floração e a fase de maturação.
Os critérios do café especial
Para você ter ideia, na minha fazenda, somente as mudas saudáveis e cheias de vida são selecionadas antes do plantio de forma criteriosa. A escolha de uma variedade de café arábica acontece como no mundo do vinho, em que há a seleção de uvas roxas, como Carmenère, Syrah, Merlot, Pinot Noir, que irão entregar mais potencial de seus atributos sensoriais em cada terroir.
Assim como nas vinícolas, o plantio adequado da variedade de café em cada terroir é imprescindível. Depois dessa escolha, são feitas as covas no solo para o plantio das mudas. Os pés de café precisam de muita água e luz solar para crescerem e produzirem frutos de qualidade.
As fases de cada ciclo do café
A fase vegetativa é a primeira fase do ciclo do café, que dura cerca de três anos. Durante essa fase, a planta cresce e se desenvolve, produzindo folhas e ramos. É nesse período que se formam as raízes da planta, que são responsáveis pela absorção de água e nutrientes do solo.
Depois desse primeiro plantio, é hora de paciência e imensa dedicação ao trabalho. Já que o período de crescimento da planta é longo, dura em média de 27 a 33 meses. Durante esse tempo é imprescindível cuidar do solo, das doenças e das pragas, que possam afetar diretamente a planta.
Assim, quando decidimos começar o plantio de café, entender o tempo da planta e as características da lavoura é fundamental. E isso é inegociável para quem ama o café especial.
Eu mesmo nunca abri mão de acompanhar os pés de café e, muitas vezes, conversava (literalmente) com as plantas que estavam com mais dificuldade de evolução. E caminhar pela lavoura observando a evolução de cada talhão (pedaço) é maravilhoso.
A paixão do produtor rural de café especial
A grande parte da nutrição da planta é água. Por isso, lembrar da canção de Tom Jobim faz muito sentido para esse contexto. As chuvas do início do ano ajudam no processo da nutrição da planta e no enchimento do grão. E, assim, enchem o rosto do produtor de sorriso.
Mas, além da chuva, a planta precisa de adubo para o processo de enchimento dos grãos. A composição nutritiva da planta é composta de três principais macronutrientes, que são chamados NPK (nitrogênio, fósforo e potássio). Um amigão que salva a vida na lavoura.
No entanto, o processo de adubação precisa ser previamente calculado, bem como necessita de acompanhamento direto. Tanto que não tem companheiro mais fiel para um produtor do que o canivete no bolso.
Você pensou na proteção de algum animal peçonhento? Nada disso! Aliás, o canivete em mãos é para o caboclo abrir na mão, os frutos do café, a fim de averiguar a saúde daquelas sementinhas que logo se tornarão explosões de sabores na nossa vida.
Os pés na terra e o plantio na lavoura
Esse plantio começa a acontecer em setembro. Inclusive, o mês mais florido do ano é também tempo de florada no cafezal. Nossa! Essa época é bonita demais e faz parte da segunda fase do processo de café na lavoura, que é a floração.
A lavoura fica repleta de flores, com um aroma hipnotizante, e a arte parece uma pintura manual, na qual o branco das flores dá a impressão que a fazenda está vestida de noiva. Um presente aos olhos e à alma, com durabilidade de, no máximo, sete dias.
Curiosidade: as flores de café são hermafroditas, ou seja, elas são alto polinizantes e dentro da flor existe o macho e a fêmea
Depois desse período, as flores murcham (bem rapidamente), caem dos ramos e dão lugar aos chumbinhos – que são grãozinhos verdes claros bem pequenos que saltam pelos pés de café.
É como eu sempre faço questão de falar em todas as minhas palestras: café é fruta e é uma fruta doce. Ah, guarde essa mensagem, que vamos retomar esse assunto abaixo.
O nascimento de cada grão
O chumbinho pequeno é verde claro e ao longo dos meses ele crescerá. Dessa forma, o enchimento é ao pé da letra e é isso que vai determinar o tamanho, peso e a qualidade do café colhido.
Com o canivete em mãos, o produtor pensa e analisa cada grão. Em seguida, fica parado em frente ao pé de café em um projeto de quase meditação. Então, ele arranca o canivete do bolso e abre o fruto do café.
É aí que o produtor verifica no olho o andamento da lavoura para atestar a qualidade das sementes do pé de café. Essa fase ocorre entre os meses de abril a junho, e é quando os frutos começam a amadurecer e a mudar de cor, de verde para vermelho, amarelo ou rosa, (esse rosa é assunto para um outro post :)).
Maturação de café e doçura da bebida
A partir de maio, quando as frutas começam a amadurecer, entrar nas lavouras significa buscar doçura nas frutas. Cada variedade de café carrega no seu DNA atributos sensoriais, o Geisha, por exemplo, é uma sensação única.
Para se ter ideia, quando apertamos a fruta na lavoura o seu caldinho (mucilagem) tem gostinho de mamão papaya. Já o Catuaí amarelo tem gostinho de abacaxi cítrico e o bourbon rosa gostinho de vinho rosé apimentado. Acho que vocês não esperavam por tudo isso, né?
A partir desse momento, o produtor rural busca pela maior concentração de brix (que é açúcares) diretamente na fruta lá no pé de café, no meio da lavoura. Viu como o mundo do café especial é exatamente como o mundo dos vinhos? No próximo capítulo, vamos falar dos processos de pós-colheita. Não perca!
Por Leo Montesanto .
Palestrante e fundador da Coffee ++, marca brasileira que nasceu com o compromisso de deixar no Brasil o café de qualidade que sempre foi exportado. Leo faz parte da terceira geração da família à frente no mercado cafeeiro e é um entusiasta do plantio do café especial. Em 2018, ele ganhou o título de café mais pontuado do mundo durante o Cup of Excellence (principal campeonato de qualidade para produtores do mundo) com a variedade Geisha, que é a bebida oficial do Palácio Imperial Japonês.